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domingo, 9 de abril de 2017

Quadros Parisienses - Charles Baudelaire.

LXXXVI - Paisagem

Quero para compor églogas castamente,
Assim como os astrólogos, deitar bem rente
Do céu e, junto aos campanários, escutar
Sonhando hinos solenes no vento a pairar.
Com o queixo nas mãos, ao alto da mansarda,
Verei o ateliê que canta e dá risada;
Os tubos, campanários, mastros da cidade,
E os céus a nos fazer sonhar de eternidade.

É doce, em meio às brumas, ver nascer a estrela
No azul, e uma candeia posta na janela,
Os rios de carvão subindo ao firmamento
E a lua nos verter pálido encantamento.
Verei as primaveras, estios e outonos,
E, quando vier o inverno, as neves de retorno,
Fecharei as janelas todas e as portas
Pra na noite criar meus paços de eras mortas,
Então eu vou sonhar com mundos azulados,
Jardins e fontes mil chorando em alabastros,
Beijos, manhãs e tardes, cantos, passarinhos,
E o que tem os idílios de amor e carinhos.
As revoltas, batendo na vidraça em vão,
Da mesa a minha cabeça não levantarão;
Pois eu vou nessa volúpia estarei mergulhado
De a Primavera ter, por vontade, ao meu lado,
De um sol do coração tirar, e assim deveras
De meus quentes pensares fazer a atmosfera.

BAUDELAIRE, Charles. Flores do Mal. Tradução de Mario Laranjeira. 2ª Reimpressão. Editora Martin Claret. São Paulo, 2014.

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