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sábado, 20 de dezembro de 2014

Renúncia - Manuel Bandeira.

Chora de mando e no íntimo...Procura
Curtir sem queixa o mal que te crucia:
O mundo é sem piedade e até riria
Da tua inconsolável amargura.

Só a dor enobrece e é grande e é pura.
Aprende a amá-la que a amarás um dia.
Então ela será tua alegria,
E será, ela só, tua ventura...

A vida é vã como a sombra que passa...
Sofre sereno e de alma sobranceira,
Sem um grito sequer, tua desgraça.

Encerra em ti tua tristeza inteira.
E pede humildemente a Deus que a faça
Tua doce e constante companheira...

Chama e fumo - Manuel Bandeira

Amor - chama, e, depois, fumaça...
Medita no que vais fazer:
O fumo vem, a chama passa...

Gozo cruel, ventura escassa,
Dono do meu e do teu ser,
Amor - chama, e, depois, fumaça...

Tanto ele queima! e, por desgraça,
Queimando o que melhor houver,
O fumo vem, a chama passa...

Paixão puríssima ou devassa,
Triste ou feliz, pena ou prazer,
Amor - chama, e, depois, fumaça...

A cada par que a aurora enlaça,
Como é pungente o entardecer!
O fumo vem, a chama passa...

Antes, todo ele é gosto e graça.
Amor, fogueira linda a arder!
Amor - chama, e, depois, fumaça...

Portanto, mal se satisfaça
(Como te poderei dizer?...),
O fumo vem, a chama passa...

A chama queima. O fumo embaça.
Tão triste que é!Mas...tem de ser...
Amor?... - chama, e, depois, fumaça:
O fumo vem, a chama passa...

Paisagem Noturna - Manuel Bandeira

A sombra imensa, a noite infinita enche o vale...
E lá do fundo vem a voz
Humilde e lamentosa
Dos pássaros da treva. Em nós,
- Em noss'alma crimonosa,
O pavor se insinua...
Um carneiro bale.
Ouvem-se pios funerais.
Um com grande e doloroso arquejo
Corta a amplidão que a amplidão continua...
E cadentes, metálicos, pontuais,
Os tanoeiros do brejo,
- Os vigias da noite silenciosa,
Malham nos aguaçais.

Pouco a pouco, porém, a muralha de treva
Vai perdendo a espessura, e em breve se adelgaça
Como um diáfano crepe, atrás do qual se eleva
A sombria massa
Das serranias.

O plenilúnio vai romper...Já da penumbra
Lentamente relumbra
A paisagem de grandes árvores dormentes
E cambiantes sutis, tonalidades fugidias,
Tintas deliquescentes
Mancham para o levante as nuvens langorosas.

Enfim, cheia, serena, pura,
Como uma hóstia de luz erguida no horizonte,
Fazendo levantar a fronte
Dos poetas e das almas amorosas,
Dissipando o temor  nas consciências medrosas
E frustando a emboscada a espiar na noite escura,
- A Lua
Assoma à crista da montanha.
Em sua luz se banha
A solidão cheia de vozes que segredam...
Em voluptuoso espreguiçar de forma nua
As névoas enveredam
No vale. São como alvas, longas charpas
Suspensas no ar ao longo das escarpas.
Lembram os rebanhos de carneiros
Quando,
Fugindo ao sol a pino,
Buscam oitões, adros hospitaleiros
E lá quedam tranquilos ruminando...
Assim a névoa azul paira sonhando...
As estrelas sorriem de escutar
As baladas atrozes
Dos sapos.
E o luar úmido...fino...
Amávico...tutelar...
Anima e transfigura a solidão cheia de vozes...

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Encontro

Entre a multidão, estava eu, andando infinitamente observando a minha volta, era uma cidade grande, como em filmes, mas não se parecia a nenhuma das grandes capitais do mundo afora. As lojas a volta vendiam de tudo: flores, roupas, animais, carnes, utilitários, eletrodomésticos e etc, eu não sabia onde estava, mas continuava andando, primeiro parei em frente a uma vitrine de uma loja de animais, eram cães, gatos, periquitos e peixes. Gatos sempre foram meu encanto, pela jaula eu pude olhá-los, olhar profundamente nos olhos e sentir que eles todos me pertenciam e eu pertencia a alma de todos eles, fiquei estasiada por minutos, desejando comprar todos, mas lembrei de que sou fiel a apenas uma gata e ela fiel a mim. Demorei alguns segundos para deixá-los para trás, enquanto o amor ia desfalecendo, os olhos tristes por tudo. Andei alguns poucos metros e parei em frente a floricultura, dessa vez namorando as flores, não achei a Jasmim, era uma das que mais gostava e achava as vezes entre os quintais expostos das casas. Mergulhada em meu prazer interior ele veio sem avisar, um velho de repente parou a minha frente e disse em um tom limpo:
- Seus olhos estão tristes.
Pegara-me de surpresa, como se tivesse a minha alma em suas palavras, ele conhecia a minha alma. Olhei para ele sem responder nada, surpresa, analisando sua fisionomia: era velho mas não muito enrugado, parecia ter pouco mais de 60 anos, tinha cabelo grisalho, um pouco curto e liso, era um pouco mais alto que eu. Quando o pensamento sobre analisar sua fisionomia se foi, senti medo, o medo sempre fora algo meu, o medo e a tristeza, coisas causadas por este mundo, eu era uma pobre criatura que não tinha força muito menos palavras para serem minha espada e escudo, só a raiva. Ele disse mais uma vez calmamente:
- Não tenha medo, eu apenas vi o que há aí dentro.
E sorriu, fiquei mais transtornada ainda, alguém conhecia meu coração. Quando percebi, estava com a armadura de prata em meu corpo, não era pesada como sempre imaginara, e a espada na mão direita.
- Não precisa empunhar sua espada e usar sua armadura sempre.
Em um acesso de raiva eu disse.
- Eu preciso!
- Entendo... Mas não precisa ter medo toda vez.
- Preciso! Você não sabe o que acontece quando tiro-a.
Ele olhou para o lado e depois para mim novamente.
- Talvez você esteja certa. Sempre haverá dor com ou sem armadura e espada.
Ele virou-se e se foi andando pela rua, a raiva borbulhava sobre mim ainda, odiava o que havia acontecido, tudo tão de repente e alguém me desafiando com aquelas palavras como quem manda em mim, eu tinha a espada e a armadura, ninguém mandaria mais em mim! Já se fora o tempo onde dominavam a mim! Ninguém mais me dominaria e conheceria a mim! Eu era um mistério odioso, cheio de raiva e ódio, eu os amava, eles eram minha armadura e espada e eu bem sabia, sabia que eles destroem mas os escolhi para vesti-los, eles eram meus e eu os dominaria! A calma foi tomando forma em mim, a ultima coisa que lembro-me foi de olhar para flores amarelas. Quando acordei e ainda de olhos fechados refleti sobre o sonho, percebi que havia tido um encontro com minha alma, ele era minha alma, velha e conhecia-me como ninguém, meu coração sentiu uma leve tristeza por uma ilusão criada pela mente, achei que alguém havia entendido meu coração, mas era só minha alma, havia sido tão feliz no momento que acordei e senti que alguém conhecia meu coração, era tristeza misturada com a perdição, como sempre, essa sensação perseguia meu coração a anos e eu tentava desvendar meu coração, conheço-o, mas não todo e isso levou-me a eterna perseguição da compreensão, coisas que quero descobrir sozinha, mas ao mesmo não quero descobrir, as vezes o segredo é muito mais delicioso que o conhecimento, o conhecimento você já conhece e não tem mais motivos de se atordoar e buscar por algo, o conhecimento é o fim, o mistério é o começo.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Suspiros

Quanto mais eu penso,
Mais o coração perfeito está em ruínas.
Para apenas refletir no vento.

Aquele que dá as respostas, 
Dosada com dor,
E com o coração nas mãos.

O vento levou tudo outra vez,
Esfarelou ao chão.
Como cinzas.